Quem não toma café, não sabe quem é.

Um dia, o dia resolveu não ser dia e mudar-se para a noite. A noite, por sua vez, no escurinho, não gostou da idéia, preferindo dormir.

Calor. A gente vê por aqui.

Atravessar a avenida

Olhos prum lado. Olhos pro outro. Atravessa. Lá de longe avista-se um carro em velocidade infinitamente invariável. Apressa-se o passo, enquanto se calcula quanto tempo ele vai levar para atingir o corpo móvel que desfila pela avenida. Chega-se ao outro lado.

Com o indicador, afasta-se o pingo de suor na testa, resultado de um calor calorento.

Escada rolante

Era de meia idade (isso não diz nada), caminhava sorridente pelo Plaza com dois filhos. Eles, mais à frente, não pensaram duas vezes: subiram a escada rolante como se aquilo fosse qualquer planície. Ela parou. Olhou para aquele negócio estranho que sobe e ficou inerte. Um filho apareceu mais atrás e tentava fazê-la subir naquele, digamos, disco voador.

A esta altura, os dois que subiram já estavam no alto, sentido o cheiro do Big Mac. Ela, lá de baixo, olhava apavorada, braços cruzados e parecia se enfiar entre os ombros, com o pescoço submerso entre eles. Não subiu. Atrás da senhora, uma filinha se formava.

Fato real.

No último dia do ano

Praia de Boa Viagem. Longos minutos depois de um calor escaldante nas areias e no mar, hora de voltar, pegar o carro e rumar para casa. Último dia do ano. Alarme desativado, porta do passageiro aberta, carro ligado, pertences colocados para dentro. Porta fechada, com uma certa insegurança, como se não devesse fazer aquilo.

Estava feito. O carro estava fechado com a chave dentro. Pior: as sandálias estavam no carro e os pés queimavam. O flanelinha queria cobrar cinco reais pelo aluguel de suas havaianas para o "sortudo" chamar o chaveiro ali, na pracinha de Boa Viagem. Foi lá. Chegando, o preço para a visita e o serviço: quarenta e cinco reais. Choros daqui e dali, preço acertado em trinta e cinco. Solidariedade de fim de ano.

O chaveiro tem uma moto e ela foi utilizada. Só de moto para andar pelas ruas na véspera do ano novo. Cada fino nos carros... Chegando, depois de duas tentativas, porta aberta. Na carteira, nem cheiro de dinheiro. Lá vai o motoqueiro-chaveiro seguindo o motorista do carro - medo de ser roubado. Paradinha num mercado, fila para o saque. Notas em mãos, volta, entrega ao chaveiro, aperto de mãos e desejos de prósperos.

Uma moto tinha sido estacionada tão colada na porta do carro que não era possível abrí-la. Mais uma vez, a manobra seria pela porta do passageiro. Mas, desta vez, com cuidado cirúrgico. Antes, um queimadura na coxa devido a um toque delicado no cano de escape de uma moto ao lado, mas capaz de deixar uma bolha milimetricamente desenhada.

Último dia do ano.